O impacto económico do Futebol Profissional em debate
A série de debates sobre a realidade do Futebol Profissional prosseguiu a 5 de maio, abordando especificamente o seu impacto económico. Temas como a vitalidade de um clube na Liga dos Campeões ou a profissionalização que se viveu na Liga Portugal, nos últimos anos, estiveram em debate, entre outros assuntos, moderado pelo Diretor Adjunto do jornal Record, Sérgio Krithinas.
O primeiro painel juntou Miguel Farinha, partner da EY, Telmo Viana, Diretor Financeiro da Liga Portugal, António Gaspar Dias, Presidente do FC Penafiel e André Varela, Diretor Financeiro do Sporting CP e nele foram debatidos os números do Anuário do Futebol Profissional e dos impactos da última época, marcada pela COVID-19.
Este foi um de vários webinares a realizar até novembro de 2022, data do Thinking Football Summit, que têm como objetivo analisar assuntos atuais do Futebol Profissional e perspetivar esta grande feira que se vai realizar no Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, no Porto.
IMPACTO DA PANDEMIA
Miguel Farinha, partner da EY
“É um prazer estar a falar sobre o 4.º anuário, numa parceria já longa com a Liga Portugal. É um ano completamente atípico, à conta da situação pandémica que vivemos, e que tem um impacto significativo gigante no futebol. Há quatro números fundamentais que gostava de destacar.”
“Em primeiro lugar o impacto do PIB, de cerca de 494 milhões de euros e que representa uma redução de 11% em relação à época anterior. Queda essa muito relacionada com a pandemia, e com a queda de receitas, bilheteiras, espaços corporate, entre outros.”
“Depois temos a descida das receitas para 734 milhões de euros em relação aos cerca de 850 milhões época anterior a essa. Isto é uma descida que desde logo se explica por ter um só clube na Champions, ao contrário dos dois da época anterior. Representa diretamente menos 60 milhões de euros com este simples facto e que tem impacto nas contas finais”.
“Outro dado relevante é o aumento do número de pessoas a trabalhar no futebol, num ano absolutamente atípico, para 3 160 empregados, o que representa um crescimento de cerca de 20% em relação ao ano anterior. Se as equipas ditas grandes já o faziam, isto demonstra um esforço de capacitação e estruturação das equipas “mais pequenas”, com muito mais investimento em diversas áreas. É um dado muito significativo”.
“Por último, nota também para o impacto dos impostos no último ano, a rondar os 142 milhões de euros em impostos, o que representa uma quebra de cerca de 5% em relação ao ano anterior, sendo o IVA, a Segurança Social e o IRS as contribuições com mais peso”.
António Gaspar Dias, Presidente do FC Penafiel
“O impacto da pandemia sentiu-se em todo o mundo, na sociedade, em todos os sectores empresariais e claro no Futebol. Foi sem dúvida um impacto brutal e dramático nas nossas receitas ordinárias. Este impacto sentiu-se em todas as Sociedades Desportivas, sejam elas mais pequenas ou maiores, desde a Liga Portugal bwin à Liga Portugal SABSEG”.
André Varela, Diretor Financeiro do Sporting CP
“É muito relevante, de facto. Quando falamos em Futebol estamos a falar de uma modalidade feita para os adeptos, pelo que é estranho ter estádios sem público. No que toca ao Sporting CP, a venda de Gameboxes, questões publicitárias e patrocínios sofreram fortes constrangimentos com claro impacto nas receitas operacionais. Tivemos de tomar medidas e procurar caminhos alternativos, como foi o caso da nossa loja online que, por outro lado, sofreu um aumento de procura e isso permitiu-nos aumentar as receitas. Mas, basicamente, os clubes tiveram de vender ativos e perderam alguma competitividade com este contexto pandémico, uma vez que, sem ter de recorrer a financiamentos, esta é a outra maneira de procurar capital para fazer face a este período. E a verdade é que vender jogadores é normal, até porque esse é um passo essencial para manter as finanças em dia, bem como a competitividade dos próprios clubes, com este processo a dever ser aliado a uma forte aposta na formação, algo que temos conseguido fazer com êxito no Sporting CP.”
“No caso do futebol de formação, é difícil contabilizar o impacto a médio prazo. Temos tentado mitigar esse efeito, mas, de facto, o parar de competições em idades tão novas envolve a necessidade de queimar algumas etapas. Penso que aí o reforçar do investimento nestes escalões mais jovens pode ser importante e vamos fazer de tudo para mitigar estes efeitos. Nesta época temos conseguido lançar bastantes jovens ao mais alto nível, o que prova que estamos a fazer um bom trabalho nesse sentido.”
PROFISSIONALIZAÇÃO DO FUTEBOL
Telmo Viana, Diretor Financeiro da Liga Portugal
“Sem dúvida era impensável há 20 anos atrás chegarmos ao nível que hoje temos, um nível de profissionalização absolutamente excecional. É de saudar que as Sociedades Desportivas, ao contrário do que sucedia há uns anos atrás, não se concentrem apenas em ter a bola, os jogadores e os agentes de arbitragem, mas que tudo o que está à volta, tudo o que gera espetáculo, tudo o que tem talento, tudo o que gera credibilidade e agregação, faça também faça parte do jogo.”
“As evoluções foram muitas nas diversas áreas. A Liga Portugal tem feito uma aposta muito grande na capacitação e na formação dos agentes, por exemplo através das suas Pós-graduações, para possibilitar que todos os agentes desportivos possam desenvolver um trabalho muito mais interessante.”
“A atual direção da Liga Portugal, em mais uma oportunidade de agregação de todas as Sociedades Desportivas, criou os grupos de trabalho, em 2015-16, permitindo que todas as Sociedades Desportivas se agregassem em torno de temáticas específicas. No princípio compareciam apenas algumas Sociedades Desportivas, mas hoje assistimos a uma taxa de incidência elevadíssima: em 34 Sociedades Desportivas, 26 participam ativamente nas decisões de âmbito financeiro.”
“Tudo isto quer dizer que em todos os clubes existiu uma evolução. Nas Sociedades Desportivas que têm uma estrutura mais robusta foi só alinhar alguns pormenores, sempre que necessário, mas as outras Sociedades Desportivas, nomeadamente da Liga Portugal SABSEG, foram-se ajustando para estarem na frente de batalha nos diversos aspetos, percebendo que esse caminho lhes iria trazer resultados na projeção do espetáculo e das suas próprias marcas. Com a persistência e resiliência de quem dirige a Liga e de quem dirige as Sociedades Desportivas, foi possível hoje chegar aqui com este crescimento, fruto da visão empresarial que tem de existir dentro das sociedades desportivas.”
António Gaspar Dias
“O Futebol Profissional desde há algum tempo, tem sido um dos sectores que mais contribuiu não só a nível económico, mas também a nível de empregabilidade e profissionalização. Tudo isto deriva da autorregulação, da imposição e constante monotorização, e bem, que a Liga Portugal impõe as Sociedades Desportivas, das duas competições, a cumprirem e a serem cada vez mais profissionais. O FC Penafiel se for constituída por melhores e mais profissionais de certeza que vai ser cada vez melhor em todas as vertentes, sejam elas no futebol ou em outras atividades. Uma consequência que acaba por profissionalizar e tornar as competições cada vez mais apelativas. Comparar o Futebol Profissional dos tempos atuais não tem nada a ver de há dez anos atrás. A melhoria é evidente”.
“Espero que os responsáveis e acionistas que estão a frente das Sociedades Desportivas evoluam sustentavelmente dentro das suas próprias casas para todos crescermos no Futebol português”.
REDUÇÃO DE CUSTOS
André Varela
“É um desafio. É difícil fazer esse ajuste e tomar essa decisão, especialmente pela opinião pública e adeptos. Mas depois há aqui um duelo entre o racional e o emocional. Temos conseguido pôr o racional à frente do emocional, muitas vezes, e assim têm-se conseguido resultados, o que é muito gratificante. E é claro que esses ajustamentos têm de ser feitos, de uma forma algo cíclica.”
“Nós fizemo-lo. Somos um país formador e temos dos melhores jogadores do mundo, e a prova é que ontem três portugueses se apuraram para a final da UEFA Champions League. O Sporting CP tem esse know how, e procura sempre formar jogadores e alimentar as nossas seleções. E, nesse processo de formação, é muito importante os jogadores sentirem que a componente de crescimento e exibicional supera a classificação.”
“Olhando para o negócio do Futebol, fica claro que queremos ter lucros e receitas, mas o objetivo principal não é gerar dinheiro, mas sim conquistar títulos. O desporto é bom para Portugal e leva Portugal para o panorama internacional, algo que o poder político gosta. Mas depois acho que faltam apoios, e isso ficou mais claro neste contexto de pandemia. Não queremos arranjar um regime de exceção, mas também não queremos ser a exceção, tal como acontece no caso do IVA. Depois de quase ano e meio com os estádios fechados seria uma boa medida para a retoma e para não perdermos a qualidade do nosso produto.”
“Quanto ao trabalho desenvolvido nos Grupos de Trabalho só posso dizer que foi espetacular. Os clubes estão unidos, em convergência, e têm feito de tudo na defesa do Futebol!”
IMPORTÂNCIA DA ENTRADA NA UEFA CHAMPIONS LEAGUE
André Varela
“É de facto um game changer. Não só para o Sporting CP, em particular, mas também para todos os clubes. Se o Futebol português quer ser competitivo tem de estar presente nas competições da UEFA e, em particular, na Champions League. E para isso é preciso competitividade.”
“O mundo do Futebol mudou há cerca de seis/sete anos, altura em que os valores dos direitos televisivos dispararam. E aqui incluo as receitas da UEFA, cujo valor dos prémios aumentou significativamente. Neste sentido, era muito importante para o Futebol português conseguir entrar nos chamados Big 5 e conseguir ganhar o lugar que nesta altura é ocupado pela França, tendo sido muito importante, a meio da época passada, Portugal ter garantido dois lugares diretos na Champions e um no play-off de acesso, até porque aumenta a própria competitividade interna.”
Miguel Farinha
“É uma inevitabilidade os clubes viverem do dinheiro que vem da Champions. 155 milhões de euros diminuíram para 95 milhões de euros. Tem um peso gigante e é um valor absolutamente essencial.”
CENTRALIZAÇÃO DE DIREITOS TELEVISIVOS
Miguel Farinha
“Há um ponto prévio, e que o António falou do Penafiel FC. As receitas de bilheteira não são muito significativas para os clubes mais pequenos, provavelmente em termos de valor efetivo, mas em termos de valores percentuais, acabam por ser significativas, porque se pensarmos que do 7.º ao 18.º da Liga Portugal bwin e toda a Liga Portugal SABSEG, 50% das receitas dos clubes são direitos de televisão. É mais importante de todas e felizmente é aquela que não levou grande impacto durante todo este processo. Mas tudo o resto destes clubes acaba por ser bilheteira, merchandising. E no ano passado, os clubes que nas 10 jornadas finais, não tiveram os jogos com os chamados “grandes”, tiveram um impacto muito grande, face aqueles que conseguiram ter isso nas jornadas anteriores.”
“Respondendo à pergunta de muito específica, a Liga Portugal, que tem feito um trabalho fantástico nesse aspeto, onde vai buscar mais receitas, tem que passar pelo tal processo tão famoso da centralização dos direitos televisivos. Esse é essencial para o Futebol, até para a competitividade da Liga, porque é muito importante que todos sejam mais fortes. Para isso é preciso haver mais dinheiro e mais investimento dos clubes e a forma, que parece óbvia de o conseguir, passa por haver uma melhor redistribuição dos direitos televisivos. Não estou a dizer retirar aos maiores e dar aos mais pequenos. Estamos a falar de haver um processo de venda centralizado, que consiga maximizar o produto do futebol e, por essa via, se consiga dar mais receitas aos mais pequenos.”
Telmo Viana
“Efetivamente os estudos existem e nós continuamos a acreditar que todos juntos somos muito mais fortes. Nesses valores estão englobados outros contratos, como sponsorização ou acordos de televisão, há diversos ativos que também estão agregados. Logicamente só podemos concluir que no futuro, com a centralização e com um trabalho bem feito, todos juntos podemos conseguir uma melhor fatia para todos, que é o que se pretende.”
André Varela
“Sem saber as regras do jogo, é claramente um risco. Mas também vemos isto como uma oportunidade de conseguir um bolo maior. Olhamos para o caso de Espanha, que foi um sucesso, uma vez que todos os clubes conseguiram aumentar as suas receitas, bem como a competitividade da própria competição”.
“Mas vai ser um grande desafio, até porque os operadores também se centralizaram e acabaram por se tornar todos em acionistas da Sport TV. O nosso grande upside é no Internacional e, para tal, temos de ser competitivos, porque essa é a única maneira de o Futebol Internacional olhar para nós com outros olhos.”
QUADRO FISCAL NO FUTEBOL PROFISSIONAL PORTUGUÊS
Telmo Viana
“O Futebol Profissional tem uma relevância extrema, que se materializa, não só, mas também, na criação de emprego e na contribuição para o Estado.”
“Hoje efetuamos o controlo salarial quatro vezes por ano. Praticamente todas as Sociedades Desportivas conseguiram demonstrar o cumprimento salarial ainda antes da primeira notificação. Logicamente todos estes processos que passámos e temos vindo a passar foram promovidos pela passagem dos clubes para Sociedades Desportivas, em 2013, um grande clique que permitiu avançar numa melhor autorregulação, promovida pelas Sociedades Desportivas que todos os anos se reúnem para melhorar as suas medidas de autorregulação. Hoje em dia vemos, no fim de junho, o licenciamento para a época seguinte, em que as Sociedades Desportivas têm de demonstrar o cumprimento de um conjunto de pressupostos elevado.”
“Não queremos ser tratados de uma forma diferente dos outros, lutamos pela igualdade, mas basta ver que o IVA num espetáculo, que é o futebol, continua a ser 23%, com tudo o que isso traduz. Precisamos de ter os melhores ativos, para além dos que já temos. Precisamos de criar regimes de competitividade, de apoios, de incremento, para conseguir que esses grandes ativos se sintam atraídos por jogar cá.”
“São um conjunto de questões que continuamos a esperar, com as cartas dirigidas a quem de direito, com as tomadas de posição públicas de uma forma construtiva, mas sem dúvida que o futebol, e este negócio, tem uma grande notoriedade, tem um enorme cumprimento – hoje em dia não devemos nada ao processo de licenciamento da UEFA - mas não temos assistido a um conjunto de políticas sérias que promovam este negócio, pelo contrário.”
“Iremos, com as Sociedades Desportivas, trabalhar para que o futebol seja reconhecido como deve ser reconhecido, igual no cumprimento. Esta é uma nota que as Sociedades Desportivas não querem deixar fugir, querem ser apoiadas conforme devem ser apoiadas, no seu patrocínio, perante a valência que têm a nível estatal.”
António Gaspar Dias
“As Sociedades Desportivas, umas mais, outras menos, aproveitaram aquilo que o Estado foi dando… Já se falou do quanto a indústria do Futebol é importante para o PIB e para o impacto económico. Acho que o Estado “esqueceu-se” um bocadinho das perdas brutais que o Futebol Profissional teve decorrente da pandemia. Tudo o que o Futebol tem obrigatoriedade de pagar ao nível de impostos não se refletiu depois na ajuda que o Estado deu. Acho que deveríamos de ser tratados de outra forma.”
“Acho que temos de olhar para a evolução que o Futebol tem tido em Portugal nos últimos anos. Se queremos mais profissionalismo e que o produto Futebol seja vendável e apelativo a nível internacional, temos de trazer melhores profissionais, logo implica maiores custos e um aumento na massa salarial. Querer o melhor dos dois mundos é muito complicado. O que temos de ver primeiramente é olhar para as receitas e como podemos aumentar, para depois ajustar a massa salarial e custos. Não podemos querer o Cristiano Ronaldo e depois não ter um aumento salarial.”
“Desde já, agradecer à Liga Portugal e EY por fazer este anuário. Talvez não estaríamos aqui a falar destes indicadores se não fosse feita esta compilação de dados. Penso que o aumento salarial nos últimos anos é apenas uma consequência normal da profissionalização e competitividade do Futebol. Temos é de olhar para as receitas e maximizar as oportunidades. Se conseguirmos ajustá-las ao momento atual, neste caso de pandemia, era ótimo para passar com sucesso este tsunami que vivemos”.
Aceda à síntese da segunda parte do webinar aqui.
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