Regulamentação dos Investidores nas Sociedades Desportivas
No mesmo dia, 7 de março, procedeu-se a outro webinar subordinado ao tema “As Sociedades Desportivas e os Investidores”. Este segundo painel juntou Sónia Carneiro, Diretora Executiva Coordenadora da Liga Portugal; Joaquim Evangelista, Presidente do Sindicato de Jogadores; Paulo Meneses, Presidente do FC P. Ferreira; e José Maria Montenegro, membro da Comissão de Auditoria da Liga Portugal.
Em cima da mesa esteve a temática “Manual de Licenciamento – Novas exigências”, numa sessão que contou com a moderação do jornalista António Barroso, d’O Jogo.
NOVIDADES E NOVAS EXIGÊNCIAS
Sónia Carneiro, Diretora Executiva Coordenadora da Liga Portugal
“A Liga, nos últimos anos, juntamente com as Sociedades Desportivas, foi solidificando as regras para as Sociedades Desportivas participarem nas suas competições. Neste ano, o mais relevante será no âmbito da apresentação das contas, nomeadamente através da inserção de uma nova fase para as Sociedades Desportivas demonstrarem que estão a cumprir as suas obrigações. Para além disso, anteriormente só eram consideradas as dívidas a jogadores, mas, atualmente, também as dívidas a treinadores já estão contempladas nos pressupostos.”
“Outra grande novidade tem a ver com as condições das infraestruturas, uma vez que uma Sociedade Desportiva corre o risco de perder o licenciamento caso o seu estádio não cumpra os requisitos, que, para já, passam pelas condições do relvado e, muito em breve, irá abranger a questão da iluminação. Não podemos ter casos de investimentos brutais de Sociedades Desportivas para cumprirem estes requisitos e depois termos outros que não têm essas condições nem a possibilidade de fazer esses investimentos.”
“Só as dívidas a jogadores eram consideradas neste momento, tendo-se inserido dívidas a treinadores. O critério da transparência, quer também na identidade dos acionistas, e no seu papel, como o caso das casas de apostas que não podem ser. De 2015 até hoje, as regras têm sido evolutivas e cada vez mais rigorosas e exigentes.”
IMPORTÂNCIA DO MANUAL PARA AS COMPETIÇÕES
Joaquim Evangelista, Presidente Sindicato de Jogadores
“Muita coisa mudou para melhor. O Sindicato orgulha-se de fazer parte dessa mudança. É inegável que a credibilidade de uma competição depende essencialmente da sua transparência.”
“Nunca nada me moveu contra os clubes e nunca quisemos fazer de polícias no Futebol português. O Sindicato nunca substitui os jogadores e só intervém quando eles pedem e a verdade é que sempre nos batemos por melhorias. Todos nos lembramos do Estrela da Amadora, da União de Leiria e do Beira-Mar, naquele que foi um conjunto de situações que colocou em causa jogadores, bem como a verdade desportiva.”
“Ainda antes de 2013, apresentámos várias propostas para evitar situações destas. Foi uma batalha enorme, mas conseguimos que os jogadores deixassem de ter o ónus da prova de cumprimento. E hoje, e bem, são Revisores Oficiais de Contas os responsáveis por isso, bem como pelo controlo financeiro ao longo da época. Destaco, por isso, o papel da Liga no saneamento dos clubes, naquele que é um modelo de gestão profissional. Já conseguimos dar uma resposta adequada durante a época e, assim, evitar que a verdade desportiva da competição seja posta em causa.”
“Conseguimos encontrar soluções, em Portugal, que em outros países não conseguiram. Apesar de tudo, em contexto de pandemia, conseguimos dar uma resposta razoável à dimensão dos problemas com que fomos confrontados.”
DIÁLOGO ENTRE SINDICATO E CLUBES EM TEMPOS DE PANDEMIA
Paulo Meneses, Presidente do FC P. Ferreira
“Acho que o Sindicato e a Liga têm tido um papel fundamental. Eu fui muito crítico em relação a várias situações - e quando digo crítico, é no sentido de pensar em soluções - e a verdade é que reconheço, quer na Liga, quer no Sindicato, uma grande capacidade de solidariedade. Na altura, encontrámos soluções que permitissem aos clubes não entrar em incumprimento com os jogadores.”
“O FC P. Ferreira orgulha-se de, naquelas circunstâncias, ter cortado 50% dos vencimentos. Os jogadores contactaram o Sindicato, estabelecendo-se um acordo de que 50% seriam pagos na época seguinte, com 25% pagos em setembro e 25% nos meses restantes. Já pagámos tudo, quando as obrigações deviam ser cumpridas até junho. Com isto, tivemos feedback de um jogador que nos deu os parabéns, porque sabia que nós erámos diferentes.”
“No que respeita ao Manual de Licenciamento, é inegável que a verdade desportiva é muito maior agora. Nós sabemos, apesar de tudo, que ainda existem formas de contornar os pressupostos e era importante encontrar formas de fechar a torneira, pois os clubes ainda encontram formas de persuadir os jogadores, através de acordos de pagamento que vão sendo incumpridos. Para resolver isto, os acordos de pagamento deviam, no máximo, ter validade de renovação de duas vezes.”
“Mas a Liga está de parabéns por ter tido a coragem de tomar decisões politicamente fortes, até porque é muito importante assumir responsabilidades.”
EVOLUÇÃO DO MANUAL DE LICENCIAMENTO
José Maria Montenegro, membro da Comissão de Auditoria da Liga Portugal
“Tem-se registado uma evolução enorme. Se confrontarmos o atual manual com as normas de 2013, a evolução é mesmo gigante. Isto tem a ver, sobretudo, com o controlo da verdade desportiva, que depois se repercute na profissionalização das Sociedades Desportivas. Ao falar de pressupostos, o pretendido é assegurar que os clubes não devem a jogadores, Autoridade Tributária, Segurança Social, e que têm orçamentos equilibrados. Ou seja, que as despesas não superam as receitas.”
“Aquilo que podemos verificar é que, de facto, temos cumprido este propósito. Foi necessário acrescentar um agente independente, na figura do Revisor Oficial de Contas e, para além disso, foram adicionadas também as dívidas entre clubes. Nós todos queremos mais exigência e a verdade é que a evolução tem sido galopante e bem-sucedida, uma vez que tem havido cumprimento.”
“E é, justamente, para quem não cumpre que faz sentido existir estes pressupostos, pois estes vão a correr para cumprirem e, assim, evitarem situações adversas para a competição. No caso que ocorreu na época passada, a Sociedade Desportiva em causa não demonstrou condições para participar nas competições profissionais nesta época. O Vitória FC foi excluído pelo incumprimento de vários pressupostos, não tendo a sua situação fiscal regularizada, inclusivamente. Sem estes pressupostos apertados, eventualmente teria conseguido inscrever-se em anos anteriores.”
AUMENTO DAS EXIGÊNCIAS DOS PRESSUPOSTOS
Sónia Carneiro
“Existe uma convergência muito grande entre a Comissão de Auditoria e as Sociedades Desportivas. Relativamente à possibilidade de aumentar exigências, essas medidas têm que ser doseadas e aplicadas na medida certa. Fizemos aqui uma mudança imensa naquilo que são as exigências, mas temos que ter presente que se colocarmos exigências demasiado elevadas acabamos com as competições profissionais.”
“Queremos manter este percurso paulatino de ir acrescentado exigências, que são possíveis de controlar. Hoje, as Sociedades Desportivas não têm de comprovar só que têm salários pagos, mas sim tudo o que envolva outras entidades.”
“E a verdade é que estes pressupostos estão cada vez mais parecidos com as exigências das grandes ligas. É certo que, para já, está muito focado na questão financeira, mas em breve vão abarcar outras componentes como a das infraestruturas.”
Paulo Meneses
“Tem havido bom senso pela forma paulatina como as coisas têm sido feitas. Tem de se deixar espaço e tempo para que estas condições possam ser criadas sem nenhuma operação cosmética, para que no futuro possamos ir mais além.”
“Em relação ao passado, todos nos lembramos que, na altura dos licenciamentos, havia uma quantidade anómala de PERS a entrarem nos tribunais. Tinha a certeza que algo deveria feito em relação a isto e conseguir ir mais além, uma vez que entendia que esta era uma forma suja de contornar a lei. Por isso, acho que temos evoluído tanto que, hoje em dia, nos esquecemos de como situações destas eram uma realidade constante.”
PROPOSTAS PARA A PRÓXIMA ÉPOCA
Joaquim Evangelista
“Ainda existem algumas arestas por limar e sabemos que a Liga entende a nossa crítica. Por exemplo, ainda se aceita o acordo diferido do pagamento de obrigações salariais. Isso ainda possibilita que possa haver incumprimento salarial e nós entendemos que isso deve ser diferido. Outra questão passa pelo facto de um clube que venha do Campeonato de Portugal poder inscrever a equipa livremente, independentemente da regularização das dívidas judicialmente reconhecidas.”
“É legítimo que os clubes recorram ao PER ou ao layoff, mas depois é impensável que o clube se comporte como se não existissem dívidas. Mais grave é ainda o facto de, em caso de incumprimento do PER, não haver nenhuma consequência desportiva.”
“Era importante deixar ainda um apelo, até porque estamos próximos do fim da época. Neste período, perante fenómenos de incumprimento, era importante os clubes terem a capacidade de antecipar problemas. Aquilo que aconteceu com o Aves foi dramático e não podemos andar sempre no fio da navalha. Os clubes que têm dificuldades têm de ter a coragem de se relacionar com a Liga e o Sindicato, de forma a procurarmos soluções atempadamente e esta mensagem é muito importante, ainda mais em contexto pandémico.”
José Maria Montenegro
“No que toca ao PER, está previsto no manual como um escape, quando em causa estão dívidas sociais. O próprio PER tem de estar comprovado e estar a ser cumprido porque, se não for assim, nem esse escape serve. Importa referir que atualmente não temos nenhum clube sem situação fiscal regularizada.”
“Dito isto, vamos às propostas: queremos avançar sempre na lógica da verdade desportiva e igualdade de armas. Muitas vezes, as Sociedades Desportivas chegam ao fim da época e deixam de pagar os dois últimos meses, que estão fora do nosso controlo, chegando a um acordo de pagamento. E esse acordo está fora do nosso crivo.”
“Para além disso, a questão das dívidas entre Sociedades Desportivas tem de avançar, uma vez que neste momento só fazemos exigências entre Sociedades Desportivas que participem nas competições da Liga. Se um clube contratar um jogador a uma equipa estrangeira, ou que não está nas competições profissionais, isso não está no nosso controlo. E isso devia ser estendido naturalmente, mas não é muito fácil. A Comissão de Auditoria não é um órgão de investigação criminal e nós sabemos que o controlo das dívidas que saem desta órbita são mais difíceis. Mas tudo aquilo que alcançámos, até ao momento, só é possível porque a Liga tem feito um trabalho fantástico.”
Sónia Carneiro
“Alguns dos temas aqui levantados já estão resolvidos. Relativamente às equipas que vêm do Campeonato de Portugal, estas já estão abrangidas na verificação de dívidas, uma vez que no caso de a Sociedade Desportiva não ter participado nas competições profissionais, abrange já jogadores inscritos na FPF. No regulamento de competições, as Sociedades Desportivas são ainda obrigadas a demonstrar que, até 15 de setembro, houve cumprimento das obrigações salariais compreendidas entre maio e agosto.”
“No que diz respeito a dívidas no estrangeiro, tenho dúvidas que a Comissão de Auditoria tenha competência legal para poder verificar esse tipo de questões. Por fim, é absolutamente determinante termos bom senso, porque não podemos imputar exigências incomportáveis. Estamos a licenciar 34 Sociedades Desportivas, que tratamos exatamente da mesma forma. Claro que mudam os orçamentos da Liga Portugal bwin para a Liga Portugal SABSEG. A realidade do Futebol português, de cumprimento, não pode ter os salários dos períodos em que se pagava aquilo que não se tinha. Obviamente que acho que todas as Sociedades Desportivas têm consciência de que podem ir mais longe e estamos convencidos de que é possível.”
PRESSUPOSTOS FINANCEIROS EM PANDEMIA
Paulo Meneses
“A questão é fundamental no cenário do cumprimento dos pressupostos. Eu acho que, ao Futebol, falta uma reciclagem. Digo isto consciente de que não sou a última bolacha do pacote, até porque essa está sempre partida. Mas a verdade é que o dirigismo tem de ser reciclado. Isto implica que se consiga fazer que aqueles que estão tenham uma forma diferente de ver as coisas, com alguém que acrescente valor e mude a visão nas respetivas estruturas.”
“Se os clubes tiveram capacidade, numa fase de pandemia, para fazer investimentos avultados, depois não merecem proteção à luz daquilo que são os pressupostos. No Futebol, continua a existir o seguidismo e a Liga é completamente alheia. Mas se houver a necessidade de aprovar uma determinada norma, ela vai sempre aprovada de acordo com a tendência de alguém que tenha maior capacidade de influência. E isso acontece, muitas das vezes, sem alguns dirigentes terem sequer conhecimento de causa.”
Aceda à síntese do primeiro painel do webinar aqui.
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