18 de Outubro de 2021

Webinar Thinking Football: “Calendários internacionais e o risco da Superliga”

Segundo painel do dia contou com os comentários de Pedro Martins, treinador do Olympiacos FC; Daniel Sá, Diretor Executivo do IPAM e Marcos Senna, Embaixador da La Liga e antigo jogador. Moderação esteve a cargo de Nuno Dias, comentador desportivo

Depois das intervenções iniciais de Pedro Proença, Presidente da Liga Portugal, e Javier Tebas, Presidente da La Liga, o webinar destinado a promover o lançamento do Thinking Football Summit 2022 prosseguiu com o painel “Calendários internacionais e o risco da Superliga”.

Os oradores convidados foram Pedro Martins, treinador do Olympiacos FC; Daniel Sá, Diretor Executivo do IPAM e Marcos Senna, Embaixador da La Liga e antigo jogador, numa sessão cuja moderação esteve a cargo de Nuno Dias, comentador desportivo. Em debate estiveram questões importantes, relacionadas com a atual sobrecarga dos calendários desportivos, e ainda os impactos adjacentes a uma hipotética criação de uma Superliga europeia, uma temática incontornável e que tanta discussão tem gerado ao longo dos últimos tempos.

 

Pedro Martins, Treinador do Olympiacos FC

Sobrecarga de jogos e calendários com excesso de competições 

“Desde já quero agradecer pelo convite à Liga Portugal e por mais uma vez falar de temas pertinentes para o Futebol. A sobrecarga de calendários é uma realidade desde a pandemia e o pós-COVID, altura em que a competição parou e houve inevitavelmente muitos jogos e isso foi complicado de gerir. Claro que o aspeto financeiro é importante para determinadas pessoas, mas, lamentavelmente, não respeitamos os profissionais, visto que em duas épocas seguidas tivemos duas semanas de férias. Já para não falar do risco de lesões, que é grande. Não estamos a respeitar o profissional. E, falo por mim, até para nós treinadores é complicado gerir esta situação. A sobrecarga que existe, a qualidade de jogo, de intensidade e qualidade, piorou e isso é preocupante. Nós, treinadores, não temos tempo de preparar, visto que praticamente é só jogar e isso não nos permite dar o melhor. São muitos jogos e muitas competições. Não tenho problema em trabalhar 24 horas mas quando entramos neste registo fica difícil de dar qualidade ao jogo e ao Futebol”.

Superliga europeia

“Devíamos pensar e refletir sobre a questão dos grandes grupos terem o monopólio do Futebol. Não conseguindo isso será a própria UEFA a fazê-lo, e isso representa um problema de ética que vamos ter. O futebol é de todos e se não tivermos a possibilidade de o mostrar vamos restringir a um nicho de pessoas. A essência e a ética vai ser perdida e isso não me parece bem”.

Poderio Económico

“Não havendo regras, os mercados estão altamente inflacionados e o COVID-19 veio a pôr a nu as dificuldades que alguns grandes clubes tinham. Todos vão querer ganhar e contratar os melhores jogadores, mas tem de haver uma dose de equilíbrio. Há clubes que não têm essa capacidade, e o fosso financeiro e competitivo vai aumentando”.

“Aqui, na Grécia, temos uma média de 50/60 jogos, com todas as condições para os jogadores. Um serviço incrível, mas há uma coisa que para mim é evidente: os jogadores não conseguem recuperar em três dias, nas 72 horas regulamentares, sendo que, pelo meio, ainda vão às seleções. Fazem mais três jogos e depois ainda os temos de recuperar. Se vamos aumentar as competições vamos ter de ter um plantel mais extenso, mas a qualidade do jogo vai ser forçada, e não vai sobrar tempo de trabalhar o jogo”.

“Claramente que a ideia de entrar na Liga dos Campeões ou até numa Liga Europa é difícil e, por isso, este ano temos a Conference League para os clubes com menos capacidade. No Olympiacos podemos até dar-nos por satisfeitos com o que temos feito, mas estas competições são muito complicadas. Vejo o futebol com pouco otimismo e com muitas competições e seleções. Não vejo algum clube português a conquistar algum título a um curto espaço de tempo”.  

Mundial de 2 em 2 anos

“Em três anos que estou aqui estou, só tenho de gerir. É o que tenho feito. Com a pandemia houve uma junção de competições e a partir dai temos de nos adaptar e gerir consoante o tempo que temos. Esta pandemia foi a oportunidade dos grandes grupos económicos aparecerem com este novo formato de competição. O treinador é um mero gestor, não temos tempo para mais nada”.

 

Daniel Sá, Diretor Executivo do IPAM 

Gerar dinheiro em prol de competições

“Desde já, um agradecimento à Liga Portugal pelo convite e parabéns por esta iniciativa. Acho que o dinheiro de uma forma pouco organizada e planeada fez com que o stakeholders vejam assim o Futebol". 

Salto de dentro do relvado para fora e acho que os adeptos também estão cansados desta sobrecarga. Aplico uma palavra mais forte: os adeptos estão a ter uma “overdose” de jogos. Quando olhamos para a programação e vemos os inúmeros jogos que temos à disposição, é impensável termos jogos de segunda a segunda. Por esta curva ascendente do dinheiro, diria que estamos muito perto do ponto limite do crescimento e, à data de hoje, pode ter um efeito negativo, para além dos atletas, o cansaço nos espetadores. E quando afastamos espetadores afastamos os patrocinadores. Acho que os modelos de sustentabilidade têm de ser refletidos e pensados, na forma como esta indústria pode evoluir". 

“Um novo investidor em toda a indústria faz sentido porque, além do dinheiro, vão explorar o negócio de outras perspetivas. O Futebol não é uma indústria igual às outras, pois tem um fator vital e diferenciador, que é a emoção. Todos nós nascemos e crescemos a gostar de um clube e elevamos a nossa emoção. Isso não acontece nas outras indústrias. Podemos mudar de carro, mudar de marca, mas de clube raramente existem mudanças ou trocas. Claro que é uma concorrência desleal, quando falamos em colossos do Futebol com pouca história e tradição, como o Chelsea ou PSG, uma vez que fica claramente a sensação de que, por terem rios de dinheiro, podem “comprar sucesso desportivo”. Quando olhamos para o caso português, mesmo com os denominados grandes a fazerem um trajeto considerável, ficamos aquém, e temos de ter um equilibro nesta análise, a entradas de dinheiros, que podem desvirtuar a história emoção dos clubes”.  

Futuro do Futebol Mundial

“Muito preocupante quando olhamos para as receitas e vemos um grande clube com o Real Madrid a ter receitas de 300 milhões de euros e, 10 anos depois, passam a 800 milhões de euros. Isto parece que é saudável, mas não é. Na verdade, o Futebol europeu não significa estabilidade financeira, pelo contrário. E, nesta perspetiva, está mais do que na altura de rever a sustentabilidade financeira. A geração Millenials, que vai pagar pelo Futebol daqui a 10 anos, não sei até que ponto, daqui a 10 anos, estarão dispostos a consumir Futebol. Por isso, acho que vamos ter problemas ainda mais graves. Treinadores e jogadores devem participar nestas discussões, sem dúvida nenhuma, e o peso tem de ser relevante, até de forma a mudar regras e conceitos. Um exemplo disso mesmo, são as ligas americanas e o ténis, ao nível masculino e feminino, que têm um papel determinante e ativo neste tipo de decisões”.

Poderio económico e qualidade

“Reconheço que estamos com um problema que não é fácil resolução. Quando eu olho para o Futebol vejo como entretenimento. Futebol é entretenimento e está a competir com outras indústrias, que também são muito poderosas. Entendo os investidores que, nesta situação, têm de estimular o produto que estão a vender. O Real Madrid teve na passada época cerca de 52 jogos, mais ou menos: pergunto quantos é que foram atrativos e decisivos? Provavelmente nem metade. Sem desrespeito com os outros, percebo que os presidentes querem esta competição da Superliga, mas acho pouco interessante assistir ao maximizar das receitas sem estimulação ou de uma forma pouco sustentável. O grande erro da Superliga europeia, na minha opinião, é assentar em três vetores que têm muito de americano no plano financeiro e ao nível do conceito. Não se respeitou a competição e não se apresentou um propósito. Só visa dar dinheiro… e nada mais. Penso que é importante existir uma reorganização da indústria e dos calendários desportivos, dois pontos essenciais para a sustentabilidade desta indústria”.

 

Marcos Senna, Embaixador da La Liga e ex-jogador

Sobrecarga de jogos e calendários com excesso de competições 

“Obviamente que esta sobrecarga não é benéfica para os atletas, fisicamente e psicologicamente saudáveis. Esta tem de ser uma preocupação nossa, que temos de combater para ver futebol de qualidade e ver os jogadores a dar o máximo em cada jogo. Desfrutar do nosso eterno futebol!”

Melhorar o jogo sem piorar a indústria

“A essência não se pode perder. Temos tentado mudar as regras em prol da melhoria do futebol e acho que devemos seguir e continuar a pensar no melhor para as competições e para os jogadores. Acredito que, no futuro, teremos de estar atentos e existem muitas coisas que vão acontecer para além do futebol. Eu vejo futebol de segunda a segunda e tenho de estar a par, mas, também, tenho uma família a que tenho de dar atenção. Temos de programar da melhor maneira para o futebol ser saudável em todos os aspetos”.

Poderio económico

“Acho que o futebol tem de se ganhar em campo. O Villarreal tem vindo a batalhar para jogar numa liga europeia e sabemos que para os clubes pequenos é mais complicado. Mas o Villarreal conseguiu o primeiro título europeu, ganhando a UEFA Europa League e a verdade é que batalhámos muito por isso. Posto isto, sou completamente contra a Superliga. Mesmo que tivesse num clube grande estaria contra e acredito que não vá acontecer. Existem muitos clubes contra e poucos a favor e, por isso, acho que temos de continuar a lutar de forma a não perdermos a essência”.

Futebol unido por uma causa

“Obviamente que devemos fazer força para que seja ouvida a nossa voz. Sabemos que não temos voz para mudar qualquer tipo de decisão, mas é um extra e pode ser respeitada. Primeiro, acho que os clubes deveriam unir-se e depois os jogadores. Sabemos que, por trás disso, temos a parte económica e, por isso, são eles que dão a última palavra”.

Superliga europeia

“Mais do que estar preparado fisicamente e mentalmente, os clubes deviam unir-se para que, de certa maneira, as vozes dos intervenientes diretos sejam ouvidas. Também tenho feito as minhas contas mas não me sai nada, porque acho que de dois em dois anos não deverá dar tempo para nada! Tenho curiosidade em saber o que vão fazer. Estamos a comprimir e a tornar aborrecidas as competições mundiais e europeias. Sabemos dos novos tempos, da adaptação às novas gerações, mas nem tudo deve ser modificado!”

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